É no horizonte. No horizonte que o meu olhar fica e se atiça. Vejo lá sempre um navio, mas não um navio qualquer. Quando entrei nele vi... Há dias em que meu navio está com o deck coberto de rosas, meus passageiros dançam no salão uma música que os faz confortáveis. Minhas mulheres com seus vestidos pretos, vermelhos e azuis rodopiam com os meus homens de terno, smoking e calça jeans porque no fim das contas nós não estamos vendo suas roupas e sim os seus movimentos.


 As minhas mulheres nesses dias balançam com o vento, as ondas e a música e os meus homens seguem o ritmo do jazz, passando as mãos pelo corpo de moças que são descritas na música do trombone. Ah, aquelas mulheres!
 Se você olhar com atenção, pode ver as estátuas ao redor virando-se para admirar meus passageiros, meus amantes marinhos.
 Poseidon acorda para vê-los passar. É algo lindo. Abaixo está a cozinha, os quartos, a piscina e o spa, mas quando eles dançam, não vemos nada mais.
 O problema são os dias em que não há dançarinos. Os dias em que os vestidos de cores diferentes transformam-se em bege e o sorriso das moças agora tornaram-se sonhos perdidos.
 Meus homens correm no ritmo da fúria e agarram minhas garotas com um ódio e uma pena que só olhando em seus olhos para acreditar em algo como esse.
 Nessas noites há fantasmas de pessoas que muito tempo atrás morreram em guerras, perseguições e assaltos. Fantasmas enfermos e sem esperança, mas eles não são a pior parte.
 A pior parte sou eu sentada no canto, ao lado da estátua de Lúcifer cantando baixinho. Me vejo claramente nessa barca do inferno, me vejo melhor ali que quando eles estão dançando, só porque eu não sei dançar.
 Se você reparar bem, verá que os fantasmas são as várias versões de minhas vidas passadas, verá que alguns desses fantasmas são aqueles que me amaram e me deixaram e me traíram e me apunhalaram.
 Quando estou nesses dias, tento sair desse navio, Procuro outras saídas, mas a única que encontro está na ponta da polpa, onde me seguro nas cordas que balançam furiosas com o vento do furacão que se aproxima. Quero me jogar. Quero me jogar no olho do furacão e rezar para conseguir me afogar porque, sendo bem honesta, afogar-me na escuridão das águas salgadas ainda é melhor que viver entre aqueles malditos fantasmas e aquelas malditas mulheres e aqueles malditos homens e aquelas malditas estátuas.
 Mas eu não me afogo. Nunca me afogo. Sempre tento sobreviver, seguir em frente e nadar entre o furacão e o inferno para conseguir chegar aos meus dançarinos.

- Isabela G.


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