Algo interessante para as pessoas que não sabem isso sobre a vida: ela é feita de ilusões.


 Não há um ser humano no mundo que não se iluda ao menos uma vez na vida. Ilusões são aqueles momentos que estamos vendo um filme, uma novela ou até um jogo de futebol e nos esquecemos quem somos, onde estamos e o que está acontecendo ao nosso redor. Quando mais precisamos sumir do mundo, aquelas pequenas coisas estão ali para te dar um pouco da paz que não lhe é concedida no cotidiano.
 Dito isso, posso começar a narrar uma pequena estória.
 O nome dele era Leres. O conheci em um desses pequenos bares no centro da cidade, nos comuns mesmo que vemos em todas as esquinas.
Em dias como aquele, depois de gritos e mais gritos no trabalho, o melhor a se fazer era tomar um wisky barato e rezar para ter uma dor de cabeça forte o suficiente para te desconcentrar dos seus problemas. Aquela noite Leres me salvou.
 Ele se sentou na minha mesa como se me conhecesse e foi pedindo doses de wisky para nós dois, porém sem falar comigo. Só pedindo.
 Engraçado como nossa cabeça é cheia de ideias estranhas. Comecei a analisar a postura do rapaz, o jeito que gesticulava, que pedia a bebida e até que acendia seu cigarro. Conclui que tinha uns trinta e poucos anos, era um pouco esnobe e não falava muito porque bem... ele ainda não tinha falado nada.
 Ele enfim pediu a conta e, assim que entregou o dinheiro virou para mim e disse:
- Olá, gostaria de andar comigo?
 Eu arqueei a sobrancelha e ri.
- Certo. Eu tenho spray de pimenta. Só avisando.
Ele abriu um sorriso de canto e levantou-se,me esperando. Tomei minha dose de wisky e fui com ele.
 Caminhamos algumas quadras sem falar absolutamente nada.
- Sabe porque está andando comigo?
- Não - falei, olhando para as estrelas.
- Porque está curiosa para saber quem eu sou.
O olhei com um arquear de sobrancelhas.
- Sim, eu sei que é óbvio. - falou ele, sorrindo - Hoje serei o que você quiser. Me fale de você.
 Apesar de considerar uma atitude estranha, comecei a falar o que eu gostava, as coisas que eu pensava e o que escrevia, o que já passei e todas essas baboseiras que não interessavam a ninguém, mas que por algum motivo parecia tudo bem compartilhar com aquele desconhecido.
 Tentei evitar falar onde eu moro, onde eu trabalho e afins, afinal de contas eu não fazia a mínima de com quem eu estava falando.
 Após algumas quadras eu parei de falar.
- E agora?
 Ele abriu outro sorriso e extendeu a mão.
- Prazer, sou Leres.
 Dei a mão para ele e sorri.
 Ele começou a falar de como achava as estrelas interessantes. Começou a contar historias de seu tempo de escola e de como adorava jogar futebol. Contou piadas e me fez rir e me mostrou fotografias que tinha em sua carteira.
 Leres contou que viajou uma vez para o Peru e deitou com uma mulher casada porque se não ele não teria o que comer. Depois disso ela deu uma semana de almoço e janta para ele, além de bebidas ilimitadas.
 Leres me contava coisas que eu nunca pensei que fosse ouvir de alguém. Ele parecia o homem perfeito e depois de contos quase infinitos ele me levou ao seu apartamento.
 Enquanto o anfitrião ia ao banheiro eu avaliei o lugar. As paredes eram azuis e tinha um pouco de tudo desenhado nelas. Era como se ele não soubesse do que gostar ou o que fazer, ou simplesmente que fazia tudo ao mesmo tempo. De cartões postais a instruções de como preparar um banquete adequado, as paredes gritavam informações das mais belas as mais pesadas.
 Aquela noite nos deitamos e, honestamente, posso dizer que muitas pessoas não irão presenciar um sentimento tão bom quanto a sensação os nossos se colarem e, logo após, a decadência pelo afastamento de sua respiração da minha nuca.
 Depois daquela noite fui para casa, deitei-me, liguei para o trabalho dando qualquer desculpa idiota e dormi o melhor sono de todos. Havia me esquecido de todo e qualquer problema que arranjei durante aquele mês inteiro.
 Passei o resto da semana tão ocupada com o trabalho que não tive tempo de fazer nada. Pensei nele algumas vezes, mas apesar da grande noite e conversas, não mantivemos contato.Quando finalmente tive um tempo, voltei no bar, mas ao chegar lá e perguntar de Leres o garçom não sabia de quem se tratava.
- Ele estava comigo da ultima vez que vim. Foi semana passada.
 O rapaz abriu um sorriso.
- Aquele é o que chamamos de 'vendedor de ilusões'. Ele vem aqui algumas vezes e parece uma partida de futebol. Faz a alegria da pessoa durante noventa minutos e some, sem acréscimos.
 E foi naquele dia e por causa daquele personagem que eu descobri o que significava ser iludido por alguém.
Ele se transformou em quem eu queria que ele fosse... E eu não vou mentir, gostei muito. As ilusões são coisas tão bonitas. Ele era apenas uma válvula de escape em forma de homem. Apesar de entender, fiquei intrigada.
Ao deitar-me na cama aquela noite comecei a pensar porque alguém conheceria tantas pessoas e viveria tantas vidas apenas como passagem. Me perguntei se um dia ele se apaixonou, quais eram os seus sonhos reais, quem realmente era a pessoa com quem eu estive...
 Queria vê-lo uma vez mais para tirar minhas dúvidas.
Após algumas noites em claro imaginando as motivações dele, comecei a pensar em quais benefícios uma vida assim poderia te trazer... Tentei olhar pelos olhos dele e conclui que era a válvula de escape perfeita. Se passar, todas as noites, por uma pessoa diferente. E todos os dias imaginava como ele se sentia sozinho... mas sei que a solidão de um vendedor de ilusões deve ser algo mais tranquilo que a minha. Ele todas as noites é o porto seguro de alguém, enquanto eu sou apenas o meu fundo do poço.


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